Andre Coelho, Valor Econômico
Privatizar a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) não será tarefa fácil e poderá acarretar problemas futuros à União, na opinião do presidente dos Correios, Juarez Aparecido de Paula Cunha. Para ele, se a parte lucrativa for vendida, os Correios não têm condição de sobreviver. Ontem, o presidente Jair Bolsonaro disse, em encontro com jornalistas, que os Correios devem ser privatizados durante sua gestão.
O Valor PRO, serviço de informação em tempo real do Valor, publicou na segunda-feira que o ministro da Economia, Paulo Guedes, recebeu sinal verde para avançar com o projeto de venda da estatal. Ontem, Bolsonaro afirmou que os estudos estão bem adiantados e a radiografia da atual situação da empresa será divulgada. “Foi lá que começou o mensalão”, observou.
Questionado sobre a fala de Bolsonaro, o presidente da ECT informou que soube, por meio de notícias veiculadas na mídia, que Bolsonaro autorizou estudos para avaliar a possível privatização dos Correios. Cunha disse ainda que “não houve até o momento conversa nesse sentido e que o diálogo estará sempre aberto com o governo, pois somos uma empresa pública federal”.
O presidente da ECT elenca vários pontos que atestam sua opinião sobre a provável venda da estatal. Ele lembrou da experiência argentina: “A Argentina privatizou [o serviço postal] e teve que retomar porque não deu certo. O Brasil é um país muito maior. Tenho quase certeza que esta decisão pode causar problema.”
“Os Correios são uma empresa que depende do próprio resultado e não tem orçamento do governo”, acrescentou Cunha. Privatizar somente a área na qual a ECT enfrenta concorrência – a de logística, que engloba serviço de entrega de produtos vendidos pela internet, por exemplo – comprometeria a sobrevivência da divisão responsável pela entrega de cartas. “É um subsídio cruzado. Um lado compensa o outro.”
A estatal tem atividades nos 5.570 municípios do país, mas só 341 são lucrativos, segundo o presidente da ECT. Ou seja, mais de 93% das cidades dão prejuízo, mas as agências dos Correios não podem ser fechadas nessas localidades. “Esta conta não terá como fechar nunca. Não vai ter empresa nenhuma que vai querer arcar”, disse o presidente dos Correios. Cunha disse que em 60% de todos os municípios, os Correios são o único representante da União.
Cunha observa que a privatização do serviço no Brasil poderá enfrentar os mesmos problemas vividos pela Argentina. Em 1997, no governo de Carlos Menen, o Correo Argentino foi vendido ao Grupo Socma, fundado pelo pai do atual presidente do país, Mauricio Macri. A reestatização correu em 2003, na administração de Néstor Kirchner, que alegou falha no pagamento ao governo e prestação de serviço ruim.
Cálculo da administração da ECT aponta que se for privatizada a parte lucrativa, o Estado precisará desembolsar R$ 8 bilhões por ano para tocar a operação, além de arcar com os passivos da instituição. “Seria uma empresa sem condição de sobrevivência”, afirmou Cunha.
Por enquanto, o único plano discutido na ECT, disse ele, é uma oferta pública inicial de ações (IPO, na sigla em inglês) de toda a companhia, mas no horizonte de quatro a cinco anos.
“Temos um caminho longo a percorrer em termos de [adequação às] normas [de governança]. Seria uma operação mais semelhante à do Banco do Brasil, portanto, não significaria uma privatização”, disse o presidente, que assumiu o comando da estatal em novembro de 2018. Antes, ele era membro do colegiado.
O Postalis, fundo de pensão dos funcionários dos Correios, também pode ser um problema no futuro. A preocupação do executivo é o déficit de R$ 12 bilhões do fundo sob intervenção da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc) que precisa ser saneado. “Houve um rombo enorme no Postalis e esta situação está sendo resolvida, mas parte desta conta vai caber aos Correios”, disse o presidente. A ideia é pagar a fatia correspondente à estatal em até 30 anos.