Prejuízo de R$ 809 milhões deve-se a provisionamento de R$ 1 bi, diz presidente

Valor Econômico
Por Rafael Bitencourt e Fernando Exman
De Brasília 24/03/2023 05h01 · Atualizado

A primeira reunião do conselho de administração dos Correios do governo Lula 3, agendada para esta sexta-feira (24), marcará não só a mudança no comando da estatal como também na avaliação das suas contas: diferentemente do que vinha sendo alardeado durante o governo Jair Bolsonaro, quando a empresa foi colocada no programa de privatizações e era apresentada como lucrativa, o balanço referente a 2022 que será divulgado registra um resultado líquido negativo de R$ 809 milhões.

O prejuízo deve-se a um provisionamento de R$ 1 bilhão referente a processos judiciais que vinham sendo até então contabilizados de forma equivocada, de acordo com o novo presidente, Fabiano Silva. “A [gestão anterior da] empresa deveria fazer o adequado provisionamento dessas ações, porque são ações que não há mais chances de reversão”, afirmou ao Valor, acrescentando que esta foi uma decisão técnica.

Desfecho desfavorável possível ou provável em ações trabalhistas estava sendo contabilizado de forma errada

Para ele, o problema ocorreu na forma de classificar algumas ações judiciais nos balanços anteriores, que não consideravam o risco de desfecho desfavorável na Justiça, enquanto estes eram possíveis ou até mesmo prováveis. “Remoto é o que a gente não perde, geralmente. Mas, em possível e provável, a gente tem que avaliar se são assuntos recorrentes por aqui, em que a jurisprudência já se consolidou contra nós. Aí, não precisa nem esperar o trânsito em julgado. A gente sabe que essa ação a gente perde em algum momento”, afirmou.

No fim do ano passado, o então presidente da estatal, o general Floriano Peixoto, disse ao Valor que os Correios teriam um resultado recorrente superior a R$ 1,5 bilhão. Ou seja, o resultado das receitas menos as despesas que são diretamente vinculadas ao processo operacional. “Aqui, é desconsiderado os eventos de receita e despesas extraordinários”, disse à época, citando eventual contingência judicial ou uma receita não ligada ao processo operacional.

De fato, a companhia obteve um resultado recorrente de R$ 1,5 bilhão em 2022, ante R$ 3,7 bilhões no ano anterior e R$ 1,8 bilhão em 2020. Por outro lado, a “eventual contingência judicial” mostrou-se bem superior ao que foi apresentado durante o processo de transição: aproximadamente R$ 1 bilhão.

Procurado, Floriano Peixoto disse que não faria comentários. “Julgo melhor aguardar as demonstrações financeiras para chegar aos números exatos. Qualquer tentativa diferente concretiza-se como mera especulação”, disse ao Valor.

Apesar do resultado negativo de 2022, Fabiano Silva faz questão de ressaltar que os Correios são uma “empresa sólida”, com “caixa robusto e saudável” e que, embora não tenha como repassar dividendos ao controlador neste momento e deva ter investimentos como sua prioridade, também não precisa de aportes do Tesouro. O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva já informou que não privatizará os Correios, proposta que chegou a ser enviada por Bolsonaro ao Congresso e está parada.

Para Silva, a estatal “surfou” no “boom” do comércio eletrônico durante a pandemia de covid-19, quando houve alta expressiva da demanda pelo serviço de encomendas. “Eles tiveram oportunidade de fazer investimentos”, lamentou, acrescentando que a empresa investiu R$ 758 milhões durante 2022, 88% do volume aprovado para o ano passado.

O presidente da empresa reconhece que, além de aplicar mais recursos no negócio, é preciso melhorar a qualidade do investimento. Do total de investimento, a maior parte foi para renovação de frota de veículos (R$ 350 milhões), seguido das áreas de tecnologias (R$ 202 milhões). Um montante considerado tímido, quando comparado com a concorrência.

A receita dos Correios com encomendas caiu de R$ 12,5 bilhões em 2021 para R$ 10,5 bilhões em 2022. A segunda maior rubrica da companhia, que é serviços postais, segue em declínio, com queda de R$ 5,4 bilhões em 2021 para R$ 4,9 bilhões no ano passado. Já a receita com serviços ofertados na área internacional, ainda impulsionada pela compra em sites estrangeiros, seguiu crescendo: subiu de R$ 2,7 bilhões em 2021 para R$ 3,6 bilhões em 2022.

Segundo o presidente dos Correios, durante a reunião do conselho desta sexta-feira serão debatidas também uma série de medidas para modernizar, estreitar relações com clientes e reposicionar a companhia no mercado. Ele argumentou que a sinalização do governo Bolsonaro de que os Correios seriam privatizados levou à paralisação de negociações estratégicas.

Uma das iniciativas adotadas recentemente foi a assinatura de uma parceria com a Advocacia-Geral da União (AGU) para a implementação de um sistema de controle de processos judiciais. Fabiano Silva também afirmou que pretende ampliar os mecanismos de transparência corporativa e controle. Os Correios, no primeiro mandato de Lula, foram protagonistas dos escândalos do mensalão.


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